Por Marcos Veiga SantosNovilhas em primeira lactação são expostas a diversas experiências novas associadas ao processo de ordenha, e frequentemente é um dos primeiros contatos que estes animais têm com pessoas e com a rotina da propriedade. Essa mudança no manejo pode gerar estresse, aumento dos batimentos cardíacos, liberação do cortisol e menor ejeção do leite, o que impede a completa expressão do potencial produtivo desses animais e resulta em baixa produtividade.
Sabe-se que a relação homem-animal pode afetar o bem-estar, a saúde e a produtividade de vacas leiteiras, já que o manejo diário é bastante intenso. Já foi demonstrado que vacas com uma distância de fuga menor, isto é, vacas que permitem maior aproximação e contato humano, apresentam comportamento mais calmo durante a ordenha, com maior produção de leite e teores mais elevados de gordura e proteína. Com base nessas informações, pesquisadores da Nova Zelândia realizaram um estudo para determinar se o treinamento de novilhas antes do parto poderia reduzir o comportamento aversivo destes animais durante as primeiras semanas de lactação, assim como se isso teria efeito sobre a produção e composição do leite e se essas respostas estão ligadas ao temperamento de cada vaca.
Foram avaliadas quarenta vacas, divididas em dois grupos de vinte animais cada, sendo dez animais considerados mais reativos ao contato humano e dez menos reativos. Um dos grupos recebeu treinamento para ordenha, que consistia em inseri-los na rotina de ordenha, habituando os animais à sala, à linha, aos equipamentos e aos procedimentos antes e após a ordenha. No primeiro dia de treinamento, pela manhã, as novilhas foram levadas para a sala de ordenha e estimuladas a entrar na linha de ordenha, sem utilização de objetos, apenas com a voz e toque com as mãos. Esse processo foi realizado três vezes. No segundo período de treinamento o processo foi repetido, e durante a permanência das novilhas na linha de ordenha, foram introduzidos alguns objetos utilizados na ordenha, como a lavagem da linha, as canecas e o rádio foi ligado. No terceiro período de treinamento a ordenhadeira foi ligada, foi aplicado o pré-dipping e os ordenhadores tocaram o úbere e membros posteriores dos animais. No quarto e último período de treinamento, os ordenhadores tocaram toda parte posterior dos animais, incluindo o úbere e até os tetos.
Após o parto, as novilhas foram avaliadas durante os cinco primeiros dias de lactação quanto ao comportamento na ordenha, produção de leite, leite residual e concentração de cortisol plasmático. Durante a colocação da teteira e durante o processo de ordenha, as vacas foram avaliadas por um escore de 1 a 4 baseados na frequência e intensidade de chutes e movimentação dos posteriores (1=sem movimentação dos membros; 2=movimentação dos membros posteriores de até 20 cm; 3=movimentação dos posteriores altura maior do que 20 cm, coices para frente; 4=coices para trás). Para avaliar o volume de leite residual, foi aplicada ocitocina intramuscular após o término da ordenha e, após 1 minuto as teteiras foram acopladas novamente e o volume de leite foi medido. Foi coletado sangue no primeiro e quinto dias pós-parto para determinação da concentração de cortisol plasmático.
As novilhas que tiveram algum contato prévio com o manejo e com os tratadores ficaram menos agitadas e deram menos coices durante a primeira semana de lactação. Além disso, o treinamento das novilhas no pré-parto reduziu o estresse durante a primeira semana de lactação, o que pôde ser percebido pela redução do leite residual e das concentrações plasmáticas de cortisol. Provavelmente, a redução do comportamento reativo dos animais com humanos ao longo do tempo foi devido a maior interação e habituação dos animais com a rotina de manejo sendo estabelecida, o que colaborou para que os animais não ficassem tão estressados com a mudança do manejo de ordenha.
O volume de leite residual foi diminuindo ao longo da primeira semana de lactação em todos os animais, independentemente de terem sido treinados ou não, sugerindo que os animais podem ter uma inibição central da ejeção do leite no primeiro dia, e nos dia seguintes se tornam mais habituados ao processo da ordenha propriamente dita. As concentrações de cortisol plasmático foram menores em novilhas que haviam sido treinadas, sugerindo que estas ficaram menos estressadas durante a primeira semana de lactação.
Desse modo, percebe-se que preparar as novilhas para a mudança de rotina que ocorre após o parto e familiarizar os animais com o novo ambiente e novo manejo pode contribuir para que durante as primeiras semanas de lactação os animais se sintam mais confortáveis e isso se traduza em uma ordenha mais tranquila tanto para os animais quanto para os tratadores e menores perdas de produtividade.
Fonte: The effect of training first-lactations heifers to the milking parlor on the behavioral reactivity to humans and the physiological and behavioral responses to milking and productivity. J Dairy Sci. 2012 Dec;95(12):6983-93.
*Camila Silano é médica veterinária e aluna de pós-graduação em Nutrição e Produção Animal da FMVZ-USP.
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