Quanto “vale” um bom funcionário hoje?! O que é um bom funcionário?! É possível ainda encontrarmos bons funcionários no campo?! Outro dia, conversando com um consultor, amigo e parceiro de longa data, ouvi: “é assim mesmo, João... você contrata uma pessoa, investe nessa pessoa, forma essa pessoa.
A tão falada mão-de-obra (que até já foi pauta e tópico de outras publicações do Porteira Adentro (www.milkpoint.com.br/mypoint/11521/p_o_desafio_da_mao_de_obra_74.aspx e http://www.milkpoint.com.br/mypoint/11521/p_maodeobra_desafios_para_novos_tempos_2169.aspx) , continua sendo extremamente debatida não só entre agentes do mercado rural, como também em diferentes segmentos e setores da nossa economia. Todos estão em dificuldades, falta dinheiro ou está muito difícil de se ganhar, diriam outros... Enfim, o que está acontecendo? Falta dinheiro, mas a economia está aquecida (nem tanto para uma parte do grande empresariado). Há grande demanda por mão-de-obra e enorme acesso ao crédito (principalmente consignado), merecendo destaque a classe C. Hoje tudo é possível. O que não acontecia no passado. Eletrodomésticos, carros, vestuário, alimentação: tudo parcelado, à prazo. E “La nave và....”.
De que forma a breve e, resumida descrição do cenário acima acaba afetando a “nossa economia” ou o nosso setor, dentro das fazendas? De certa forma, acredito que estamos passando por um período de transformações, caminhando cada vez mais para a automação e, conseqüentemente para uma menor disponibilidade de trabalho não qualificado. Então surge a pergunta: é possível administrar uma fazenda somente com mão de obra qualificada?
Compromisso:
Quando analisamos seriamente o que seria “mão-de-obra qualificada” encontramos uma série de equívocos. Recentemente tive a experiência com um “tratorista” cujo último emprego havia sido numa gigantesca empresa com áreas de reflorestamento. O rapaz não tinha mais que 25 anos. Perguntei, na entrevista: “com que trator você trabalhava lá?”. Resposta “ah, eu trabalhava com um BH110 e um BH180... hora com um, hora com outro”. Eu fiquei tranqüilo. Pensei: “puxa, esse cara opera máquina de 110 a 180 cv... tratores caros, com certeza vai tirar de letra as tarefas de uma mera fazenda de leite”. Resultado: um desastre! Para operar um MF265, “queixo-duro” o pobre rapaz, não sabia nem onde ficava a marcha reduzida... (um pequeno Massey, acredite!) Culpa de quem? Culpa do trabalhador? Culpa da grande empresa? Negativo. Podemos dizer que a culpa é do mercado atual, ou seja, tal problema faz parte da conjuntura e cenário atual referente à qualificação dos trabalhadores disponíveis e que ainda estão com suposta vontade de trabalhar no campo. Devemos ressaltar que há uma escassez generalizada de mão-de-obra não somente por questões numéricas (há trabalhadores no mercado), mas também por questão de falta de compromisso. Não há mais compromisso e responsabilidade na classe trabalhadora em função das facilidades vigentes. Seguro-desemprego, bolsa-família, bolsa-salário, bolsa-escola, fundo não sei o quê, auxílio não sei que lá... uma festa! E crédito disponível na praça. Hoje, nossos trabalhadores têm acesso a uma enormidade de bens consumíveis. E o consumo traz a falsa sensação de felicidade e satisfação. Bem estar. Além disso, não há mais fome, de um modo geral, pelo menos nos estados mais desenvolvidos. A política assistencialista é muito forte e a relação entre o esforço, o lavoro, pela troca do sal.... (salário) foi para o espaço! Dessa forma, não há compromisso. Não há necessidade de se fixar num emprego. O emprego e o trabalho, propriamente dito, não têm mais valor. Se não há oferta de um bom emprego num dado momento e todas as oportunidades remunerarem apenas o mínimo (salário), vamos escolher aquela que for mais fácil (não a que oferecer perspectiva de crescimento). O negócio é trabalhar o menos possível “sem encheção de saco”. Horário para entrar e horário sagrado para sair... condições bem diferentes das encontradas, usualmente, nas rotinas de fazendas (de leite em especial).
Tive a oportunidade alguns anos atrás de prestar serviço como engenheiro agrônomo na implantação de um projeto para uma prefeitura de um município muito pequeno e próximo de nossa propriedade. A população do mesmo conta apenas com cerca de 10.000 habitantes. Em contato com agentes da prefeitura local, trabalhei com uma nutricionista e tive acesso a alguns dados. Nesta cidade eram e ainda são servidas entre refeições nas escolas e serviços da assistência social cerca de 3.000 refeições diárias gratuitas (ou “gratuitas” porque nós, de certa forma bancamos isso tudo). Isso mesmo, 3.000 refeições diárias! Nada menos do que 30% das bocas de uma cidade inteira... Hoje o trabalhador pode abandonar o emprego ou “parar seco”, como muitos gostam de dizer, que não passam mais dificuldades. Sem compromisso e envolvimento fica muito difícil formarmos profissionais competentes. “Por quê vou me envolver, por quê vou valorizar essa fazenda, este empregador, este emprego? Todo mundo paga a mesma coisa hoje... aqui estou trabalhando no sol, suando... essas vacas são fedidas e dão muito trabalho. O mulher, vamos para cidade, vamos procurar emprego no supermercado...”
No caso da atividade leiteira, pelo menos no estado de São Paulo, a situação é ainda pior e mais séria. O nosso candidato ao cargo de tratorista, e “fritado” em uma semana pela minha pessoa é um ótimo exemplo. Sua carteira de trabalho apontava o valor de R$1.200,00 na grande empresa em que trabalhava, além de benefícios como cesta básica, plano coletivo de saúde, etc. Na agroindústria canavieira não é muito diferente, ou seja, jovens recebendo salários consideráveis. Claro que temos excelentes profissionais, responsáveis, merecedores, no entanto, são poucos e estes direcionados, quando possível, para colhedeiras ou caminhões (manipulação de implementos mais caros ou mesmo assumindo em alguns casos a gerência de frentes agrícolas). O que está errado? Criamos um “monstro” (ou nossa política criou). Muitos trabalhadores desqualificados foram incorporados às empresas atuando na plantação de eucaliptos, laranja e cana-de-açúcar. Estas firmas passaram a ser objetivo e referência para jovens em busca de emprego... “quero trabalhar na usina e operar um John Deere, cabinado, no ar condicionado. Deu meu turno, esqueço tudo e vazo!” É impressionante como há procura para se trabalhar em empresas de grande porte, mesmo com baixas perspectivas de crescimento dentro das mesmas (massa de manobra, um número, um operacional, apenas), mas e as fazendas de leite? Os sítios e pequenas chácaras? Como ficam nessa história? Onde ficam? Marginalização. Este é o termo. Duro.
Voltando à questão de valores e o exemplo do rapaz, o mesmo tinha boa formação, tinha estudado até o segundo ano colegial, aparentava ser um sujeito pró-ativo. No entanto somente sabia engatar primeira e segunda de um trator de grande porte “cabinado”, não John Deere, mas Valtra. Ao ser solicitado para uma função: muito mais inteligente e dinâmica, acabou enfrentando dificuldades. Na fazenda sua função seria operar um trator simples. No entanto teve que aprender a operar uma balança programável de um vagão total mix (TMR) e alimentar cerca de 10 categorias/lotes/dia. O implemento (vagão) que operou por poucos dias era auto-carregável, demandando apenas atenção e pouco esforço físico. O mesmo achou muito complicado o “sistema de trabalho”, pois tinha que acordar às 3:00 a.m. para iniciar o trato dos animais em produção. Muito cansativo e sacrificado, além da tal balança “muito complicada de entender”. Em outras palavras, a chance de operar uma máquina melhor, auto-carregável, com balança computadorizada, digital, que contaria como pontos e aspectos positivos em seu currículo foi menosprezada. “Melhor trabalhar na cidade...”
Ajustando os ponteiros:
É importante que no momento em que for realizada uma contratação o histórico de um trabalhador/candidato seja avaliado corretamente. Um funcionário como o acima descrito não tem qualificação, sequer para receber um salário mínimo. Trabalhando na cidade como guarda-mirim (não desmerecendo, claro, os jovens esforçados que realizam importante trabalho em muitas cidades do interior paulista) talvez recebesse soldo compatível com sua “vontade de aprender”. Na prática, foi avaliado de forma imprudente por um gerente de produção de grande empresa, no exemplo em questão, assumindo cargo indevido e inflacionando o mercado de forma imprudente. Não estou fazendo apologia a baixos salários, ressalto. Nada tenho contra bons salários no meio rural ou qualquer setor. Muito pelo contrário. Acho importante que o funcionário qualificado seja diferenciado dos demais pela sua capacidade e competência. Acho importante também atentar para o perfil de mão-de-obra que estamos criando ao classificar de forma errada um funcionário. Dentro do meu ponto de vista, temos uma grande distorção no mercado. Verificamos que um candidato tem o segundo grau incompleto. Certo. Então temos que pagar mais pelo seu salário, certo? Errado! É enorme a quantidade de analfabetos funcionais. No passado, meninos de 18 anos pediam empregos em fazendas, tendo trabalhado (acumulado experiência) no pé da enxada desde os 7, 8, 10 anos, no pé da enxada, ajudando sua família ou o velho pai. Hoje isso é considerado abuso e trabalho infantil. Autoridades consideram exploração do menor. O interessante é que conheço muitos que foram criados dessa forma. São os que ocupam os melhores cargos, hoje, no meio rural. São administradores ou gerentes. São responsáveis e envolvidos com o trabalho. A disciplina, educação e ordem eram regra naqueles tempos. Hoje não pode. Criança só pode estudar. Recebemos estes jovens, vindo da cidade, à procura de emprego. Opa, mas peraí a moça tem o primeiro ou segundo grau completo. “Ah, tá... me esqueci que estudaram na França!” Experiência? Zero! Tempo de trabalho? Zero! Disciplina? Zero! Notas na escola? Zero! Então quando as contas apertam, o pai manda trabalhar. Manda o filho(a) procurar emprego. Revoltados saem de casa. “Amasiados” (um termo muito moderno e atual), muitas vezes com um filho o pé e outro na barriga, jovens casais, com “boa instrução”, batem às nossas portas nas fazendas . Sem opção acabamos empregando tais pessoas. O importante é não se iludir, ser firme e dizer: “Filho, você quer emprego? Ok. Vai receber um salário para começar e vamos ver o seu desempenho...” (não perder a esperança e rezar para ter sorte e não ser mais um que deixará sua propriedade em menos de um mês!)
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